quarta-feira, 19 de março de 2014

Homens de certezas

Charles Bukowsky, poeta e romancista norte-americano, vaticinava em meados do século XX que: “o problema do mundo de hoje é que as pessoas inteligentes estão cheias de dúvidas, e as pessoas idiotas cheias de certezas”. Um pensamento intemporal.

Para nossa desgraça, vivemos numa época de crise económica e financeira que, com maior ou menor veemência, fustiga a generalidade dos países desenvolvidos sem que ninguém, independentemente do seu conhecimento e capacidade intelectual, possa com honestidade se considerar detentor do antídoto para a sua cura.

Todavia, mesmo nesta conjuntura de incerteza, existem pessoas com responsabilidades políticas que estão cheias de certezas. Uma delas é Jerónimo de Sousa – um homem que não permite que qualquer dúvida assalte as suas certezas, sempre e para sempre inabaláveis.

Jerónimo de Sousa tem a certeza do que levou à crise: “consequência da ofensiva da política de direita que se vinha desenvolvendo contra Abril e as suas conquistas”. E como é que ele possui esse conhecimento? Directamente de Álvaro Cunhal, apóstolo de Lenine e Estaline, de quem é discípulo, que em 1980 com “premonitória visão” antecipou a crise de 2008! E sem dúvidas, apenas certezas.

As certezas de Jerónimo de Sousa expressam-se com maior clareza falando barato. Os culpados da crise são os “ideólogos do neoliberalismo” e o “capitalismo”. E a salvação passa por uma “política patriótica e de esquerda”, evidentemente preconizada por ele próprio e pela seita que dirige. Isto é, Jerónimo de Sousa não tem qualquer dúvida que conseguirá ser o único caso de sucesso do modelo comunista da história da humanidade. Para o efeito, ou seja, para alcançar o “sol na terra”, seria apenas necessário que os portugueses ensandecessem e passassem a partilhar idêntica certeza…

As pessoas cheias de certezas geralmente partilham uma retórica demagógica, básica e vulgar, que se expressa por um vocabulário truculento que não se distingue pela elevação nem pelo decoro. Jerónimo de Sousa evidentemente não foge à regra. Por exemplo, Passos Coelho é um “fiteiro empertigado”; Cavaco Silva não tem “seriedade nem ética”; a maioria PSD/CDS uns “grandes mentirosos”; o FMI um “buldogue” que apanha “um pouco de pele e não larga mais”. Mas, esta retórica faz eco na comunicação social que não se cansa de a amplificar repetidamente, como que procurando a adesão a estas certezas da população portuguesa que mais sente as consequências da crise.  

Estes homens cheios de certezas num país com uma população informada e esclarecida seriam, quando a sua presença não fosse evitável, tratados com aquele sorriso educado que se reserva aos tontos ou com o repúdio que se reserva aos fanáticos. Infelizmente, em Portugal, existe um “mercado” de seguidores destas certezas que permanece mais ou menos coeso e, pior, com potencialidade de crescimento em épocas como a que atravessamos. E isto não pode deixar de causar preocupação. Homens que só têm certezas são perigosos fanáticos cujas iniciativas acabam invariavelmente em totalitarismos sanguinários.

Como ensinou Bertrand Russell: “essas pessoas só serão inofensivas enquanto forem em pequeno número”. Deus queira que assim continue.

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